Contratado um plano de saúde, se o paciente precisar de internação de emergência ainda não coberta pelo plano de saúde em razão do prazo de carência, o que prevalecerá: a cláusula contratual de carência ou o direito à saúde do consumidor?
“Contratos de adesão” assim são chamados porque o consumidor apenas adere ao contrato. Diferentemente de outros contratos, não há uma negociação significativa sobre o conteúdo das cláusulas que regem a relação contratual. Portanto, ou o consumidor adere ao contrato da forma que lhe é proposto, ou então não celebra o contrato.
O Código de Defesa do Consumidor assim define (art. 54): “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Pois bem. Os contratos de planos de saúde são contratos de adesão: os administradores de planos de saúde estipulam as condições da relação contratual. No entanto, o objeto dessa relação contratual relaciona-se com um direito indisponível da pessoa humana, que é o direito à saúde, e dependendo do caso tais contratos podem chegar a afetar até mesmo o próprio direito à vida. Por essas razões, e ainda em nome do interesse público, o Estado brasileiro pode estipular o conteúdo de algumas cláusulas contratuais. A isso se chama de “dirigismo contratual”.
Em evidente caso de dirigismo contratual, a lei federal n.º 9.656/98, que regula os planos de saúde no Brasil, estabelece (art. 12, V, “c”) que os contratos devem fixar períodos de carência de no máximo vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência. Esse dispositivo foi incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001, ainda em vigor conforme art. 2º da Emenda Constitucional n.º 32/2001.
Desta maneira, se a administração do plano de saúde fizer constar, no contrato, cláusula estabelecendo período de carência para internação (geralmente fixado em seis meses), essa cláusula não valerá se o caso for de urgência/emergência, porque em razão do dirigismo contratual, acima explicado, prevalece a lei federal n.º 9.656/98, que tem maior peso jurídico que o contrato.
Mesmo que no contrato esteja expressamente escrita uma cláusula em desfavor do consumidor, ainda assim essa cláusula não valerá. O Código de Defesa do Consumidor (art. 51, IV) estipula que são nulas de pleno direito as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”.
Portanto, em se tratando de urgência/emergência, o paciente-consumidor tem direito a todo atendimento médico-hospitalar necessário à plena recuperação de sua saúde, inclusive internação, mesmo que seja internação em Unidade de Terapia Intensiva (U.T.I), e pelo tempo que se fizer necessário, tudo por conta do plano de saúde, desde que tenha passado o prazo de 24 horas da celebração do contrato, conforme dito acima, ou prazo menor, se houver cláusula contratual tão favorável.
Pela experiência, o caso mais comum é o de infarto. A pessoa contrata um plano de saúde e alguns dias ou poucos meses depois sofre infarto, ainda estando no prazo de carência para internação. Nesses casos, ou em casos similares, geralmente a administração do plano de saúde nega o direito à internação, e estamos falando de casos graves, que exigem internação em Unidade de Terapia Intensiva.
Se o plano de saúde se recusar a cobrir o tratamento ou a internação de emergência/urgência, o próprio paciente (se estiver em condições), a família ou até amigos do paciente podem procurar um advogado, que entrará com uma ação judicial com pedido de tutela antecipada contra o plano de saúde, para garantir o direito a tratamento e internação. Nesses casos, o advogado pode pedir ao juiz prazo de 15 (quinze) dias para juntar a procuração nos autos. Por isso, a participação do paciente não é necessária para iniciar-se o processo judicial.
Se não houver recursos financeiros para contratar-se um advogado, deve-se procurar a Defensoria Pública do Estado, ou o serviço assistencial da OAB. Por outro lado, a jurisprudência brasileira é bastante favorável ao pleito, já havendo julgados em vários Estados do país em favor do consumidor, nos casos de atendimento de urgência/emergência.
Fundamental é providenciar-se laudo médico do próprio hospital onde estiver o paciente, e entregá-lo ao advogado/defensor público. Tal laudo atestará a urgência do caso e a necessidade de internação, e servirá, no processo, para que o juiz aplique a lei federal nº 9.656/98.
Vale salientar que nos casos de doenças pré-existentes a legislação está ao lado dos planos de saúde, que podem estipular prazos de carência de até vinte e quatro meses (lei federal nº 9.656/98, art. 11). Note-se, porém, que o plano de saúde é que tem que provar tratar-se de doença pré-existente.
Para os casos já ocorridos, via de regra existirá direito ao ressarcimento pelas despesas médicas e hospitalares com tratamento e internação de urgência/emergência, se o plano de saúde se recusou a oferecer cobertura, alegando prazo de carência. O ressarcimento deve ser buscado através de ação judicial. Em muitos casos, pela aflição por que passa o paciente, em não ser atendido, o Poder Judiciário tem concedido também indenização por danos morais. Ainda, na hipótese aqui analisada, se o paciente faleceu, e ficar provado que a morte se deu em razão da falta de atendimento, os familiares mais próximos e o cônjuge/companheiro podem pleitear em juízo indenização por danos morais, contra o plano de saúde.
Autoria: Thiago Cássio D’ávila Araújo – Procurador Federal (Tribuna do Norte)
Fonte: CQCS e
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